
Óleo sobre tela que ofereci ao meu marido, fazendo votos para que ele publique a sua poesia
Eu Tarik
Capítulo II
Mais tarde, comecei a reparar que ela quando passava sobre o que os humanos chamam tapete, arrastava várias vezes os pés no dito, olhava para mim e chamava-me lindo. Sim, eu comecei a fazer o mesmo, e ela ficava tão contente!
Um dia, lembro-me perfeitamente, fui com ela ao local onde trabalhava. Em vez de me colocar no chão, pôs-me em cima da secretária, e, fui acariciado, afagado, o meu “ego-cão” estava no auge com tanta admiração por parte dos amigos dela, que me descuidei, fiz um xixi, fiquei deveras atrapalhado!
Já crescidote, fui viajar com os meus donos. A minha dona disse-me que íamos visitar a terra onde a minha mãe nasceu. Entretanto passavam os dias a escavar a terra, nunca percebi muito bem porque o faziam, eu ficava na sombra do carro, preso, sim porque eu era um bocado traquinas, e, tive azar, não é que uma abelha me mordeu na bochecha! Sofri, e penso que foi desde esse dia que me tornei um bocado arisco, aprendi a rosnar, a mostrar o meu carácter um bocadito belicoso. Sim, porque a minha dona tinha que entender que eu era um cão especial, não um cão mariquinhas. Mas devo confessar-vos que fui sempre muito sensível à dor.
O tempo foi passando, fui crescendo. De repente, sem entender muito bem porque o meu dono deixou de vir a casa. A minha dona disse-me qualquer coisa, mas entendi que eram coisas de humanos.
Certa vez, fomos viajar numa casa, enorme, com rodas. Eu ficava muito amedrontado com o barulho dos outros carros que passavam por nós, mas lá me ia aguentando até que depois de algum tempo, chegamos a um sítio, que mais tarde vim a saber que se situava em Londres, onde senti que a minha dona estava muito aflita, agarrou-me a chorar e disse para eu não fazer barulho. Mas, de repente entraram uns homens que me queriam agarrar, o medo era tanto que fiz chichi, mas mesmo assim levaram-me, a minha dona chorava e eu pensava que nunca mais a via. Os ditos homens, depois de muito andarmos levaram-me para um sítio completamente estranho. Estava preso. Tinha um quarto com uma parte com grades que dava para um corredor, e um jardim mas este também com grades. Falavam comigo numa língua que eu não entendia, e cada dia me sentia mais infeliz. Até que apareceu a minha dona e me contou o que se estava a passar. Estava de facto preso, de quarentena, porque era proibido eu ter entrado em Inglaterra da maneira que o fizemos. A minha dona teve que me deixar ali naquele sítio pelo tempo que eles entenderam, depois despachar-me-iam de avião para Portugal. E assim aconteceu. Nunca me recompus totalmente desta viagem, então o avião foi um tormento, até há bem pouco tempo se me falavam em Inglês, eu uivava, foi para esquecer.
O meu dono voltou outra vez, e de vez em quando revia a minha família. Voltamos a passear no campo, perto da terra onde a minha mãe nasceu, ela ficava felicíssima, mas eu não, tudo me incomodava, passavas os dias debaixo da cama, só gostava de sair à noite.
Continua

EU, TARIK
Elisabete Maria Sombreireiro Palma
Capítulo I
Fui um cão muito feliz, com uma vida cheia de acontecimentos, nada daquela vida enfadonha comum aos meus iguais. E, claro já perceberam que estou a falar em passado, é verdade, por muito que me custe dizer, deixei este corpo no dia 23 de Janeiro de 2008. Mas, seria uma pena se deixasse só para mim, e para os meus amados donos, a história da minha vida; como tal, incumbi a minha dona de passar ao papel as minhas memórias.
Nasci em Lisboa a 14 de Junho de 1991, comigo nasceram, uma irmã, malhada de preto, parecida com a minha mãe, que viria a chamar-se Pepsi, o outro chamar-se-ia Scuby parecia-se com o meu Pai, malhado de castanho, tal como eu. Mais tarde quando fui viver em definitivo com a minha dona, esta, chamar-me-ia Tarik.
Os meus pais também tiveram histórias de vida muito interessantes.
Meu pai nasceu no Jardim Zoológico, descendia de uma alta linhagem de “podengo anão” e tinha “pedigree”. Foi o primeiro a chegar a esta casa, como presente para a Ana Lúcia, filha do meu dono, e que foi a minha segunda mãe. Era pequeno, tal como os demais da nossa raça, todo branco, malhado de castanho, orelhas sempre arrebitadas, cauda encaracolada. Eu vivi com ele pouco tempo, apesar de nos encontramos muitas vezes. Sei que teve um azar, foi atropelado, ficou sem a cauda que era o seu orgulho. Desde esse acontecimento, que a vida dele se alterou, ficou traumatizado, tornou-se violento e segundo me apercebi o fim dele não foi pacífico.
Quanto à minha mãe, ela foi uma verdadeira rainha, era um doce! Quando os meus donos a encontraram no Alentejo, ela vivia uma vida infeliz. Os homens levavam-na para a caça, o que ela adorava, mas fora isso, passava a vida presa a um cordel, tinha por casa um bidão.
Os gansos, os patos atacavam-na e roíam-lhe as orelhas. As pulgas e carraças faziam-lhe a vida ainda mais negra. Mas assim que o meu dono a viu, achou que ela era a cadela ideal para mulher do meu pai (desculpem mas vivi tão intensamente com os humanos, que dou por mim a pensar como eles).
Segundo o que ela me disse, mais tarde, fez-lhe uns “olhinhos” a que ele não resistiu. E isso foi decisivo para que o meu dono pagasse por ela uma fortuna e a trouxesse para Lisboa.
Passou a chamar-se Nina, e depressa esqueceu as agruras que tinha passado. Também já deixou o corpo.
Bem, falando de mim; eu era lindo, aliás a minha dona passou a minha vida a chamar-me de lindo! Mas se não acreditam vejam a primeira fotografia da família, da esquerda para a direita, temos: o meu pai, eu, a Pepsi, o Scuby e a minha mãe.

Fui o primeiro a nascer, como tal, o mais forte, o maior. Vivi com a minha mãe cerca de dois meses, no primeiro mês era ela que me amamentava, depois não soube o que lhe deu, deixou de nos ligar, se não fosse a minha mãe adoptiva, a Ana Lúcia, teríamos morrido à fome. Quando esta achou que eu já estava suficientemente forte, disse-me que era hora de partir para casa da minha dona, confesso que chorei. Sempre gostei muito dela, nunca esqueci o quanto foi minha amiga.
Eis-me chegado a casa da minha dona, tinha por companhia uma gata com quem brinquei muito, estranhei, senti saudades da minha família, chorei. Mas depressa percebi, o quanto ela era especial, falava comigo, sim, eu olhava-a nos olhos, e ela entendia-me. Dava-me o comer na boca, ensinou-me, primeiro a fazer as minhas necessidades fisiológicas no jornal que depois levava para a rua, até eu entender o que ela pretendia, e eu, aprendia depressa...
CONTINUA