
EU, TARIK
Elisabete Maria Sombreireiro Palma
Capítulo I
Fui um cão muito feliz, com uma vida cheia de acontecimentos, nada daquela vida enfadonha comum aos meus iguais. E, claro já perceberam que estou a falar em passado, é verdade, por muito que me custe dizer, deixei este corpo no dia 23 de Janeiro de 2008. Mas, seria uma pena se deixasse só para mim, e para os meus amados donos, a história da minha vida; como tal, incumbi a minha dona de passar ao papel as minhas memórias.
Nasci em Lisboa a 14 de Junho de 1991, comigo nasceram, uma irmã, malhada de preto, parecida com a minha mãe, que viria a chamar-se Pepsi, o outro chamar-se-ia Scuby parecia-se com o meu Pai, malhado de castanho, tal como eu. Mais tarde quando fui viver em definitivo com a minha dona, esta, chamar-me-ia Tarik.
Os meus pais também tiveram histórias de vida muito interessantes.
Meu pai nasceu no Jardim Zoológico, descendia de uma alta linhagem de “podengo anão” e tinha “pedigree”. Foi o primeiro a chegar a esta casa, como presente para a Ana Lúcia, filha do meu dono, e que foi a minha segunda mãe. Era pequeno, tal como os demais da nossa raça, todo branco, malhado de castanho, orelhas sempre arrebitadas, cauda encaracolada. Eu vivi com ele pouco tempo, apesar de nos encontramos muitas vezes. Sei que teve um azar, foi atropelado, ficou sem a cauda que era o seu orgulho. Desde esse acontecimento, que a vida dele se alterou, ficou traumatizado, tornou-se violento e segundo me apercebi o fim dele não foi pacífico.
Quanto à minha mãe, ela foi uma verdadeira rainha, era um doce! Quando os meus donos a encontraram no Alentejo, ela vivia uma vida infeliz. Os homens levavam-na para a caça, o que ela adorava, mas fora isso, passava a vida presa a um cordel, tinha por casa um bidão.
Os gansos, os patos atacavam-na e roíam-lhe as orelhas. As pulgas e carraças faziam-lhe a vida ainda mais negra. Mas assim que o meu dono a viu, achou que ela era a cadela ideal para mulher do meu pai (desculpem mas vivi tão intensamente com os humanos, que dou por mim a pensar como eles).
Segundo o que ela me disse, mais tarde, fez-lhe uns “olhinhos” a que ele não resistiu. E isso foi decisivo para que o meu dono pagasse por ela uma fortuna e a trouxesse para Lisboa.
Passou a chamar-se Nina, e depressa esqueceu as agruras que tinha passado. Também já deixou o corpo.
Bem, falando de mim; eu era lindo, aliás a minha dona passou a minha vida a chamar-me de lindo! Mas se não acreditam vejam a primeira fotografia da família, da esquerda para a direita, temos: o meu pai, eu, a Pepsi, o Scuby e a minha mãe.

Fui o primeiro a nascer, como tal, o mais forte, o maior. Vivi com a minha mãe cerca de dois meses, no primeiro mês era ela que me amamentava, depois não soube o que lhe deu, deixou de nos ligar, se não fosse a minha mãe adoptiva, a Ana Lúcia, teríamos morrido à fome. Quando esta achou que eu já estava suficientemente forte, disse-me que era hora de partir para casa da minha dona, confesso que chorei. Sempre gostei muito dela, nunca esqueci o quanto foi minha amiga.
Eis-me chegado a casa da minha dona, tinha por companhia uma gata com quem brinquei muito, estranhei, senti saudades da minha família, chorei. Mas depressa percebi, o quanto ela era especial, falava comigo, sim, eu olhava-a nos olhos, e ela entendia-me. Dava-me o comer na boca, ensinou-me, primeiro a fazer as minhas necessidades fisiológicas no jornal que depois levava para a rua, até eu entender o que ela pretendia, e eu, aprendia depressa...
CONTINUA